Rio Crack

Vinte e nove usuários de crack são internados involuntariamente

Ação da prefeitura deu início ao processo de internação dos dependentes

Prefeitura faz operação na Avenida Brasil para acabar com a cracolândia do Parque União
Foto: Fernando Quevedo / Agência O Globo
Prefeitura faz operação na Avenida Brasil para acabar com a cracolândia do Parque União Foto: Fernando Quevedo / Agência O Globo

RIO — A prefeitura fez nesta terça-feira, pela primeira vez, internações involuntárias de adultos dependentes de crack. Vinte e nove usuários da droga foram levados para hospitais públicos, a partir da orientação de uma equipe médica. O alvo da megaoperação, realizada de madrugada, foram viciados da cracolândia da Favela Parque União, no Complexo da Maré, às margens da Avenida Brasil. Ao todo, foram retirados das ruas 99 dependentes, sendo oito menores.

Segundo o secretário municipal de Governo, Rodrigo Bethlem, a internação posta em prática pela prefeitura é a involuntária — feita por determinação médica, quando há risco para a saúde do paciente. É diferente da internação compulsória (que consta de um programa lançado há um mês em São Paulo): nesse caso, além de um laudo médico, há uma decisão judicial, também prevista em lei. Para a iniciativa no Rio, foram reservados 40 leitos de internação nos hospitais Evandro Freire (na Ilha do Governador), Ronaldo Gazolla (Acari), Pedro II (Santa Cruz), Federal dos Servidores (Saúde) e da Lagoa.

— Não estamos inventando a roda. A internação involuntária é um caso previsto em lei. Também não estamos fazendo um atacadão de pessoas internadas. Existe uma avaliação médica individual — disse Bethlem.

Internação média deve ser de cinco dias

De acordo com o subsecretário municipal de Atenção Hospitalar, João Luiz Ferreira Costa, em média os pacientes devem ficar internados cinco dias — prazo que pode ser prolongado por mais dez. Depois desse período, a partir de um novo diagnóstico, eles serão encaminhados para tratamento ambulatorial. No caso dos pacientes sem residência fixa, o encaminhamento poderá ser feito para comunidades terapêuticas (instituições que trabalham com a reabilitação de dependentes).

— À medida que a rede de saúde tiver mais vagas, vamos avançar mais. No momento, estamos totalmente concentrados na cracolândia da Avenida Brasil, pelo perigo que ela representa para os usuários da droga e para todos que passam por ali — informou Bethlem.

O prefeito Eduardo Paes disse que poderão ocorrer internações compulsórias:

— Vamos usar os instrumentos de acordo com a necessidade, seja com uma abordagem médica ou judicial. Um método não exclui o outro. Entendemos que não podemos desproteger o cidadão. Essas pessoas (os usuários de crack) não têm condições de tomar decisões por si mesmas.

Além das internações involuntárias, o poder público decidiu ocupar a cracolândia, para pôr fim a um cenário degradante, onde dezenas de pessoas viviam consumindo a droga. Um carro da PM e um micro-ônibus da Guarda Municipal vão permanecer na área, assim como equipes das secretarias de Desenvolvimento Social, Saúde e Defesa Civil. Um posto móvel para o acolhimento voluntário de dependentes também foi instalado no local. A RioLuz instalou refletores no local. O objetivo é evitar o retorno dos usuários.

— Nós vamos ficar nessa área por tempo indeterminado. Tomamos essa decisão para salvar vidas. Mas é bem possível que alguns voltem para as ruas, já que foram internados involuntariamente — disse Bethlem.

Outras 30 pessoas se internaram voluntariamente ontem. Oito delas foram levadas para comunidades terapêuticas na Fazenda Esperança, na Zona Oeste. Segundo Bethlem, essas unidades ajudam o usuário de crack a reestruturar sua vida. Os outros adultos acolhidos foram encaminhados para um abrigo da prefeitura em Paciência, também na Zona Oeste. Já crianças e adolescentes foram para a Central de Recepção Carioca, no Centro

— A operação se baseou numa decisão que a prefeitura tomou no ano passado. O crack é um problema de saúde pública, e a Avenida Brasil se tornou um problema de segurança pública — afirmou o vice-prefeito Adilson Pires.

A ação realizada de madrugada contou com a participação de agentes da Secretaria de Assistência Social, PMs, policiais civis, guardas municipais e funcionários da Comlurb. Por cerca de uma hora — das 2h50m às 3h50m —, as quatro pistas da Avenida Brasil foram fechadas. Houve correria com a chegada dos agentes. Alguns viciados chegaram a atear fogo a um sofá, e a polícia teve que lançar uma bomba de efeito moral para afastá-los. Ninguém ficou ferido.

Antes da operação, PMs entraram nas favelas Parque União e Nova Holanda, para evitar ataques de traficantes. Houve intensa troca de tiros, e dois policiais do Bope ficaram feridos por estilhaços. Uma pistola foi apreendida.

Usuários migram para canteiro

Expulsos de madrugada da cracolândia, alguns usuários ainda resistem a deixar a região. Ontem, por volta das 10h, cerca de 20 dependentes podiam ser vistos num canteiro da Avenida Brasil, a cerca de 300 metros da antiga cracolândia. No ano passado, foram feitas 82 operações em cracolândias, com 3.230 pessoas recolhidas (2.892 adultos e 338 menores). Desde março de 2011, a prefeitura do Rio interna compulsoriamente menores de idade.

São Paulo: sem internação compulsória

Em um mês em vigor, o programa do governo de São Paulo para acelerar as internações de dependentes químicos não realizou até agora nenhuma internação compulsória e tem recebido críticas de familiares de usuários de drogas. Ao todo, foram feitas 223 internações, 92% delas voluntárias, ou seja, com o consentimento dos usuários. O restante é de internações involuntárias, que contam com a autorização de parentes.

Nas últimas semanas, parentes de dependentes químicos que buscam por ajuda têm reclamado da burocracia e da demora para a internação. Em virtude da alta demanda por ajuda, o governador Geraldo Alckmin reforçou o atendimento e anunciou a expansão do número de leitos. O centro de referência recebeu, até agora, 8.171 ligações em busca de informações e prestou 1.509 atendimentos.

Outra crítica que o programa tem recebido é o tempo reduzido de internação: o padrão é 30 dias.