Prisão Provisória e Lei de Drogas

Identificando obstáculos e oportunidades para maior eficácia
Maria Gorete Marques de Jesus, Amanda Hildebrand Oi, Thiago Thadeu da Rocha & Pedro Lagatta
Núcleo de Estudos da Violência (NEV)
Universidade de São Paulo (USP)
Dezembro 2011

A pesquisa teve como objetivo compreender o uso da prisão provisória nos casos de tráfico de drogas. Buscou-se, também, compreender como está sendo aplicada a Lei 11.343/06, que trouxe diversas alterações em relação à antiga legislação de drogas. Para atingir esse objetivo, o estudo examinou as práticas e os discursos dos profissionais do sistema de justiça criminal e traçou um panorama dos casos de tráfico de drogas, nos quais houve prisão em flagrante, o que possibilitou uma ampla análise correlacionando a seleção do sistema de justiça, a forma de atuação da polícia, a lei e a compreensão dos profissionais sobre prisão e segurança pública.

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Além da coleta de dados junto aos autos de prisão em flagrante, que revelou o perfil das pessoas que estão sendo acusadas de tráfico de drogas e o perfil das ocorrências de tráfico de drogas, foram realizadas entrevistas com operadores do sistema de justiça e segurança pública. A pesquisa contribuiu para identificar as fragilidades do sistema de justiça, que pouca reflexão faz sobre si mesmo.

Outro importante tema suscitado pela pesquisa se refere ao acesso do acusado e do preso à justiça e ao direito de defesa. É preciso que o acusado esteja amparado por um defensor que vá defendê-lo plenamente. Uma das formas de concretizar o acesso do acusado e do preso à justiça dar-se a partir do contato deste com o seu defensor. Dessa forma ele poderá se tornar ator do seu processo, tomar ciência dos atos processuais e ser colocado em posição de igualdade com a acusação. Verificou-se que o contato com o defensor ocorre muitos dias e, na maioria das vezes, meses depois da sua prisão.

RESULTADOS

Os operadores alegaram, durante as entrevistas, que têm a sensação de “enxugar gelo”, pois, “após apreendidos, os jovens são logo substituídos por um exército de reserva”, o que produz apenas o aumento da massa carcerária, aprofundando a crise do já fracassado sistema carcerário.
Os casos acessados na pesquisa ilustram a tendência, já indicada por outras pesquisas, de que a política de repressão ao tráfico de drogas está voltada ao pequeno traficante. De acordo com a pesquisa, continuam sendo presos jovens, homens, na faixa etária entre 18 e 29 anos, pardos e negros, com ensino fundamental completo e que não apresentam antecedentes criminais.

Com relação ao retrato dos flagrantes, verificou-se que a Polícia Militar realizou a maioria das prisões, em geral apreendendo apenas uma pessoa, com mais frequência em via pública, em dita “atitude suspeita”. Houve 17,5% de casos de entrada em residências, que corresponde à chamada entrada franqueada, na qual o apreendido teria deixado a polícia entrar em sua casa e encontrar a droga. Na maioria dos casos, somente o policial que efetuou o flagrante é a testemunha do caso. A média das apreensões, que podem ser caracterizadas como padrão, foi de 66,5 gramas de droga (somados os diferentes tipos), e parte das pessoas apreendidas não estava com a droga, ela foi encontrada no entorno do local. Os acusados não têm defesa na fase policial,.

No âmbito processual, verificou-se que a maioria dos réus foi assistida pela Defensoria Pública e que o contato entre defensor e acusado ocorre, em regra, na audiência de instrução e julgamento, que demora mais de três meses para acontecer.

Uma característica marcante de todo o caminho percorrido por processos de crimes de tráfico de drogas é a dinâmica inercial presente nas relações entre as organizações de segurança pública e de justiça. Se as entrevistas apontam conflitos e insatisfações de operadores com as instituições complementares a seu trabalho, a prática aponta para o sentido contrário: há pouca discordância no trabalho das organizações quando se trata de apreciar e julgar um crime. O que se verifica, desde a performance policial até o julgamento por parte de juízes de direito, é uma continuidade na maneira como estes compreendem os fatos. O processo é pautado pela falta de questionamentos e baixa qualidade das provas, sendo possível concluir que as instituições responsáveis pela aplicação da lei não se fiscalizam mutuamente, o que permite a convivência com excessos do aparato repressivo do Estado e violações a direitos fundamentais, aos quais não é dada a devida atenção.

SOBRE A PRISÃO PROVISÓRIA:

A pesquisa demonstrou que a prisão provisória – cujo caráter deve ser excepcional –, assume no processo de crimes de tráfico de droga um papel central, tornando-se a regra. Verificou-se que 89% dos acusados responderam ao processo privados de liberdade.

No que diz respeito à prisão provisória, é possível abordar o tema sob a ótica do direito de defesa, já que em certos casos sequer é formulado o pedido de liberdade provisória. No tocante a aplicação e o papel atribuído à prisão provisória nos casos de flagrantes de tráfico, foi possível revelar o quanto este instituto está arraigado nas práticas e rotinas discursivas de grande parte dos profissionais do sistema de justiça criminal, como o indispensável recurso no controle imediato deste tipo crime, a despeito dos efeitos contraproducentes desta política a médio e longo prazo, levado em consideração pelos defensores públicos.

Uma gama de outros problemas na aplicação da prisão provisória foi detectada e elencada ao longo do estudo.

Com apoio da Open Society Foundations